O Psicopata. Reflexões.
Nossa abordagem sobre o tema, naturalmente e a toda evidência, vai cingir-se e ficar adstrita ao plano jurídico-legal. Todas as considerações de ordem médica, psiquiátrica e/ou científica dizem respeito a conclusões pacificadas, sustentadas em congressos, havendo parcos estudos na esfera do Direito, uma razão a mais para que venhamos a nos debruçar sobre as nuances que o envolvem, realmente fascinante, na medida em que estejamos diante de sua caracterização comprovada via laudo (s) idôneo (s) e conclusivo (s).
A sociedade, de um modo geral, por vez, não compreende como um indivíduo que cometeu um crime, não raro hediondo com vários alvos, possa ser reputado inimputável, deixando de cumprir a pena prevista em nosso Código Penal e/ou em legislação esparsa e extravagante. Quando identificado tal desvio ou deficiência mental, a conseqüência, tradicional, será a de que o autor do delito deverá putrefar em um manicômio judiciário ou outrora em um hospício próprio para tratar de seu caso, sem cumprir pena alguma. Cuida-se dos “loucos infratores” ou “pacientes judiciários”.
Ocorre que com o advento do novo governo, o Conselho Nacional de Justiça – CNJ e o Ministério da Saúde trabalham em parceria para implantar política antimanicomial, conforme a seguir se demonstrará, representando mais um motivo para que nos dediquemos ao assunto. Efetivamente, o trabalho conjunto tem como meta o fechamento gradual dos Hospitais de Custódia, conforme previsto há mais de 20 (vinte) anos na Lei Antimanicomial nº 10.216/2001 (Lei da Reforma Psiquiátrica) e regulamentada pela política antimanicomial do Poder Judiciário através da novel Resolução CNJ nº 487/2023, em espécie de resgate do tema, presente, também, a Convenção das Nações Unidas sobre Direitos da Pessoa com deficiência em 2006.
O objetivo é reforçar a estrutura de saúde pública, eis que a citada lei veda a internação de pessoas com transtornos mentais em instituições com características asilares, credenciando novos centros de Atenção Psicossocial (CAPS), que são uma espécie de postos ou unidades de saúde mental do Sistema Único de Saúde (SUS). A orientação é pela preferência em meio aberto, em serviços comunitários e em diálogo permanente com a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS). Em 2022, segundo o SISDEPEN havia 1.869 pessoas cumprindo medida de segurança em manicômios judiciários ou em estabelecimentos penais comuns.
A pergunta que se impõe, todavia, é a seguinte: Reunirá a rede pública estrutura, meios, recursos, condições adequadas, profissionais especializados para atender essa demanda, afora os novos casos diários que se sucedem e aumentam tal contingente? Se em mais de 22 anos, 16 dos quais confiados a políticas e ações ligadas ao atual governo, não foi possível nem viável redirecionar o rumo do tratamento, o que nos autoriza a acreditar que agora será implantado? Sem aparelhamento e recursos específicos previstos em verbas orçamentárias, as condições dos considerados inimputáveis não irá se agravar? A sociedade não correrá maiores riscos com a adoção de regimes abertos? A criminalidade, a violência e a insegurança, como é sabido, assumem patamares de epidemia entre nós, sendo que o Estado e demais poderes constituídos revelaram-se ao longo de décadas incapazes de implementar a nova metodologia, sempre justificando com a falta de recursos, prioridades outras, fatores econômico-sociais, culturais etc., em espécie de “lavagem de mãos”.
O Poder Judiciário destinará recursos de seu orçamento para tal fim? Há dimensionamento do montante necessário para a consecução do fim pretendido e a manutenção do novo sistema?
Já há muita gente em liberdade cometendo delitos em massa em escolas, creches, shows, espetáculos, supermercados e na sociedade em geral, com traços de psicopatia, no Brasil e no exterior. O noticiário é pródigo em tal sentido, sem aduzir-se às ações dos criminosos propriamente ditos, delitos de trânsito etc.
A intenção do legislador lá nos idos do início do século era e continua boa, a questão é saber se há recursos para uma implantação eficaz que bem cuide das condições de nossos doentes mentais, não colocando em cheque a sociedade, particularmente familiares, vizinhança, além da população obreira e estudantil.
Reunimos equipes multidisciplinares com o desenvolvimento de programas de formação e capacitação para médicos, psiquiatras, psicólogos, enfermeiros e assistentes sociais para os cuidados necessários e eficazes? Acresce considerar que com a pandemia as doenças mentais aumentaram de menos de 10% dos brasileiros para 13,5% no 1º trimestre de 2023 e no RS de quase 13% para 16%, segundo estudo da UFPel – Universidade Federal de Pelotas (RS). Preocupante! Damião Ximenes Lopes em Sobral (CE) que sofria de transtornos mentais foi morto com sinais de tortura e espancamento dentro de um hospital psiquiátrico, em 04/10/1999, conforme reconhecido pela Justiça e isto desencadeou e representou uma espécie de clamor popular contra tais clínicas e de uma reflexão pelas autoridades e especialistas.
A prática mencionada, obviamente, é censurável merecendo o repúdio geral. Não podemos, todavia, concluir de que tal ocorre em todas as internações, de que os estabelecimentos credenciados não prestam um bom serviço, nem auxiliam no zelo que tais indivíduos estão a merecer e exigir, sendo a generalização perigosa e por vezes injusta. A questão é o risco que corre a sociedade, conforme já se referiu alhures. Trata-se de matéria avaliativa, com os prós e os contras, benefícios e riscos, pontos positivos e negativos. Como são os modelos seguidos por países desenvolvidos e com recursos em relação aos resultados alcançados? Foi feita e temos tal avaliação? A psicopatia como afirmam os doutos, não tem tratamento que cure, seus portadores são irrecuperáveis
ou incorrigíveis, não se tratando de uma doença pontual e sim de um desvio de conduta ou transtorno da personalidade (vide CID-10, item F 60.2). Vide, também, o contido nas Leis nº
11.343/2006, 13.146/2015 e 14.126/2021. Antes tínhamos a de nº 7.209/1984, art. 22, todas relacionadas à matéria.
Nosso Código Penal Brasileiro, ao seu turno, prevê em seu art. 26, “in verbis”: “É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, INTEIRAMENTE incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento” (destacamos).
Já o seu § único, estabelece: “A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado NÃO
ERA INTEIRAMENTE capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento”. Observe-se que a incapacidade de discernimento para que o indivíduo seja considerado inimputável e não venha a responder pelo crime praticado haverá de ser PLENA ou INTEGRAL em conformidade com legislação em vigor. Se for parcialmente capaz ou
incapaz já responderá, ainda que possa ser beneficiado pela redução da pena.
Quando estivermos diante de personagem considerado inimputável, com base em laudo (s) oferecido (s), o juiz DETERMINARÁ SUA INTERNAÇÃO em conformidade com o art.
97, do mesmo diploma legal. Como se vê, o redirecionamento a que pretende a Lei nº 10.216, de 06/4/2001, deverá, também, buscar a REVOGAÇÃO de tal dispositivo do Código Penal, o que não se visualiza em seu bojo, eis que cuida, fundamentalmente, de condições mais humanizadas em regime aberto aos pacientes, fora dos hospícios eventualmente remanescentes, manicômios
e casas asilares, vindo a ocorrer tais internações somente em casos especiais, devidamente fundamentados através de laudos psiquiátricos. Já para o Código Penal em vigor, caracterizada a inimputabilidade, a internação é um imperativo e uma determinação legal.
Resta acrescentar que em meio às nossas autoridades, quando de decisões estapafúrdias e teratológicas, o perfil da psicopatia também está presente e a nenhum exame prévio submetem-se, representando, assim, também, riscos à sociedade politicamente organizada. Traços de despotismo, tirania, autoritarismo, desrespeito às prerrogativas dos (as) advogados (as) são freqüentes culminando em desagravos públicos por parte das seccionais da OAB com predominância. Talvez, por isso mesmo, haja surgido entre nós a Lei de Abuso de Autoridade – nº 13.869, de 05/9/2019, revelando o Congresso Nacional sensibilidade na sua aprovação, malgrado toda uma resistência amplamente manifestada. Infelizmente, todavia, decorridos 04 anos aproximadamente de sua vigência, eis que se constitui praticamente em “letra morta”, ante a omissão e a inércia de nossas instituições. Luiz Augusto Beck da Silva, Comenda Oswaldo Vergara da OAB/RS,
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